Ao longo de 33 dias, incluindo sábados e domingos, Maria Helena trabalhou no restauro, mas antes, apesar de naquele momento não ter extrema devoção por Nossa Senhora, pediu a ajuda da Padroeira do Brasil
Em 16 de maio de 1978, na Basílica Velha em Aparecida (SP), algo inimaginável aconteceu: um jovem, visivelmente transtornado, pegou a imagem de Nossa Senhora Aparecida e a atirou no chão, deixando-a despedaçada em mais de 200 partes.
Diante do fato, os padres redentoristas buscaram ajuda no Museu Vaticano, mas foram orientados a procurar o Museu de Arte de São Paulo para o restauro da imagem. À época, lá trabalhava como chefe do Departamento de Restauração a artista plástica Maria Helena Chartuni, a quem coube a tarefa do restauro.
“Quando vi o estado em que estava a imagem, realmente eu levei um susto interiormente”, disse Maria Helena ao O SÃO PAULO. “Na hora, pensei que era um trabalho muito complicado, difícil de fazer, não só pelo restauro em si, mas por tudo que envolvia a imagem, em especial o fato de Nossa Senhora Aparecida ser a Padroeira do Brasil. Fiquei com muito medo, mas eu tinha que fazer o trabalho”, recordou.
Primeira restauração
Ao longo de 33 dias, incluindo sábados e domingos, Maria Helena trabalhou no restauro, mas antes, apesar de naquele momento não ter extrema devoção por Nossa Senhora, pediu a ajuda da Padroeira do Brasil.
“Quando esse restauro chegou na minha vida, não tive aquela emoção de um devoto, e foi até melhor, porque com uma distância do objeto a ser restaurado, você pode lidar melhor com ele. No entanto, eu sentia que durante o restauro aconteciam fatos estranhos, como pedaços pequenos que eu pegava ao ‘acaso’ e achava o lugar certo para colocá-los. Eu tinha pedido a Nossa Senhora, sozinha, antes de começar a restaurar: ‘eu estou com problema. Você me deu esse problema para resolver, e eu gostaria que você me ajudasse”, contou.
Inicialmente, Maria Helena classificou as partes da imagem e depois fez a reconstrução de 165 pedaços que puderam ser colados. “O que não deu para colar, porque estava quase em estado de pó, eu coloquei com a cola dentro da imagem, pois a imagem é oca. Usei esse critério porque é uma imagem de culto. Se fosse uma imagem comum, eu não teria feito todos esses detalhes, eu teria parado em alguns lugares, como, por exemplo, no rosto, em que faltava a parte direita, que não foi encontrada. Foram feitas três partes para não ficar com buracos: a parte direita do rosto com um olho, uma parte do cabelo e uma parte do cotovelo, em baixo”, detalhou.
A restauradora afirmou que só teve plena noção do que representava aquele restauro quando a imagem retornou a Aparecida, em 19 de agosto daquele ano. “Se formou um corredor humano ao longo de todo caminho da avenida Paulista, também na via Dutra toda até a entrada de Aparecida. Todo mundo se emocionava, rezava, chorava, e aquilo realmente me tocou”.
A restauração da fé
Passados quase 40 anos do restauro, Maria Helena tem convicção que não só a imagem de Nossa Senhora Aparecida foi restaurada em 1978. “Ela realmente restaurou a minha vida!”, garante.
Os detalhes desses restauros – o da imagem e o pessoal – estão no livro “A história de dois restauros – Meu encontro com Nossa Senhora Aparecida” (Editora Santuário, 2016), escrito por Maria Helena também com o objetivo de contar a verdadeira história do que aconteceu e do que sentiu, dado que, ao longo do tempo, algumas versões surgiram, nem sempre correspondendo fielmente aos fatos.
Hoje devota de Nossa Senhora Aparecida, a Artista Plástica é enfática em afirmar que não venera nem adora a imagem de terracota que reconstruiu ou qualquer outra. “Não acho correto venerar a imagem física, mas sim o que ela representa, que é muito maior, mais misterioso e grandioso que a imagem”, disse, acreditando, também, que não foi por acaso que teve a missão de restaurar a imagem da Padroeira do Brasil.
“Quando essa imagem foi achada no rio Paraíba Sul, ela veio para dar algum recado espiritual e deu, porque se fosse um marketing católico já teria desaparecido. Não se sustenta por tantos anos uma coisa superficial que não tenha a mão de Deus. E na minha vida foi a mesma coisa: ela não veio por acaso. Tudo é plano de Deus e a gente vai entender só depois que acontece”, concluiu.
(Texto publicado no O SÃO PAULO em outubro de 2017)
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