Oração

Lembra-te, ó homem, de que és pó, e ao pó retornarás! (cf. Gn 3,19). Começamos a Quaresma, e a Igreja, como uma boa mãe, quer ajudar seus filhos a estarem prontos para o desafio de uma vida bem vivida, fugindo dos prazeres fáceis e transitórios e lutando pelo bem que real- mente permanece. Por isso, e inspirada no conselho de Cristo (Mt 6,1-6.16-18), a tradição católica sempre recomendou três obras quaresmais: resumidas sob os nomes oração, jejum e esmola.

Nesse espírito, gostaríamos de dedicar a reflexão desta semana à oração, esta peça fundamental no mecanismo de nossa santidade. Às vezes, surgem alguns mal-entendidos nesse assunto: pensa-se que o tempo “gasto” em diálogo silencioso com o Senhor poderia ser mais bem aproveitado pela atuação ativa em obras de caridade – afinal de contas, não foi o próprio Jesus que falou que Deus sabe do que precisamos, antes mesmo que lhe peçamos (cf. Mt 6,8)? Para que, então, pedir? Ora, é verdade que Cristo disse isso – mas apenas para nos precaver contra a “oração” (que, na verdade, é um mero falatório) que multiplica as palavras, sem envolver o coração (v. 7). Tanto é assim que o mesmo Jesus nos ordena fazer oração, ter momentos de diálogo íntimo, a sós com Deus: “Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai que está em segredo” (v. 6).

Na verdade, entre os milhares de santos que povoam a história da Igreja, nos mais variados tempos, lugares, culturas e línguas, há uma característica em comum: a importância capital que eles dão à oração pessoal. Santo Afonso de Ligório dizia que “quem reza se salva, e quem não reza não se salva”; nos nossos dias, Santa Teresa de Calcutá insistia muito em que a oração devia vir antes das obras. Aos jovens padres que conseguiam uma audiência, a primeira pergunta que fazia era: “Quantas horas reza todos os dias?”. Diante do espanto de alguns (que esperavam um incentivo à caridade, a amar mais os pobres), ela explicava: “Meu filho, sem Deus somos demasiado pobres para ajudar os pobres. Lembre-se: eu sou apenas uma pobre mulher que reza. Rezando, Deus coloca o Seu amor em meu coração, e assim posso amar os pobres. Rezando!”.

O motivo para a importância da vida de oração é que nosso progresso espiritual, nosso caminho de santidade, é, antes de tudo, uma obra de Deus, e não nossa: “Sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15,5).

Mas, como rezar? Como ter um verdadeiro diálogo com Deus, na prática? Muitos e muitos santos recorriam a livros espirituais consagrados, como a Imitação de Cristo, para inspirar sua oração. Tomemos um exemplo. “Desde o início eu ensinei os Profetas, diz o Senhor, e até agora não cesso de falar a todas as pessoas. Mas muitos se fazem surdos à minha voz, e mudos, e duros. Muitos ouvem mais ao mundo que a Deus, e seguem mais o apetite de sua carne que a vontade de Deus. O mundo promete coisas temporais e pequenas, e todos servem a ele com grande avidez. Eu prometo as coisas mais elevadas e eternas, e o coração dos mortais fica frio e torpe. Quem é que me serve e me obedece em tudo e com tanto cuidado, quanto se serve ao mundo e aos seus senhores?” (Imitação de Cristo, 3.3.2). Busquemos colocar-nos em ambiente de recolhimento, e ler com calma este trechinho, ruminando cada frase, cada palavra. Depois, busquemos elevar nosso coração a Deus, meditando neste trecho: “Senhor, será que eu tenho ouvido tua voz? Quando coloco este ou aquele bem temporal na frente de tua vontade, a quem estou se- guindo? Quanto faço isso ou aquilo, estou servindo ao Senhor ou ao mundo?” Se pudermos fazer esses momentos de conversa íntima logo depois de comungar (uns dez ou quinze minutos depois da missa), será melhor ainda, pois teremos a presença física de Jesus, tocando não só nossa alma, mas também nosso corpo.

Busquemos, então, abrir os ouvidos do coração a Deus, que deseja muito estar conosco. Digamos-lhe, como Samuel: “Fala, Senhor, que teu servo escuta!”.

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